Califórnia, Estados Unidos, 19 de Abril de 2009.
Na Ponte Golden Gate, ou como é conhecida, Ponte São Francisco, trafega um Camaro Z28 cinza escuro em alta velocidade que é conduzido por um jovem de 17 anos, RAPHAEL W. KELLER (RAPHA). Ele tem pele branca, cabelo loiro e liso a altura do queixo e expressivos olhos azuis diamante. Sua roupa é um terno preto, com gravata azul escura um pouco frouxa no colarinho e sapatos pretos. O garoto troca a marcha.
Num Nissan Xterra prata, que também está na ponte, vemos no reflexo do vidro da janela, o rosto de uma menininha de 6 anos, ANNA JULIA B. LOVATELLI (AJ). Seu rosto é arredondado, seu cabelo é liso e castanho claro e seus olhos são cor de mel. Ela se encontra sentada, comportadamente, no banco de trás. Sua roupa é um macacãozinho jeans, tendo a blusa e tênis, vermelhos.
No banco do motorista e com o cinto de segurança, está uma mulher, MANUELA B. LOVATELLI, 36 anos, que tem o cabelo e os olhos castanhos escuros. Sua roupa é um terninho social preto. Ela passa a marcha do veículo e liga baixinho o rádio, que começa a tocar “Taking Chances” da cantora Celine Dion.
— Droga! Estamos atrasadas para o voo. São que horas, Judie? — pergunta Manuela em italiano.
No banco do carona e também com o cinto de segurança, está uma adolescente de rosto encantador, JUDIE BIAGGI LOVATELLI, 17 anos e que tem cabelo castanho escuro preso em rabo-de-cavalo. Seus olhos são verde escuro, como grama molhada com gotas de orvalho. Ela veste calça jeans clara, tênis All Star rosa e blusa preta do show da sua Diva — Laura Pausini in San Siro 2007.
— São 10h, mãe. E vai dar tempo sim — responde Judie em italiano, após ver a hora no relógio em seu pulso direito.
Observando sua irmãzinha, pelo retrovisor, comendo cookies de chocolate, Judie se solta do cinto de segurança e se vira para trás, ficando debruçada no encosto do banco.
— Judie! — exclama Manuela.
— Aah... nem oferece, sua porcariazinha — comenta a jovem em italiano e rindo.
— Oh mãe, Judie tá me xingando de novo — reclama AJ em italiano e fazendo biquinho. Ao mesmo tempo, ela abraça o pacote de biscoito com firmeza.
— Ooh... que biquinho mais lindo! Por isso que adoro implicar com você — sorri Judie. — Sabia que você é a porcariazinha que mais amo no mundo?
— Hmmm... — AJ para de fazer biquinho e também sorri.
— E então, não vai me oferecer um? — pergunta Judie ficando séria, mas não convencendo em tal seriedade.
— Como diz? — interroga a criança com um rostinho de expectativa.
— Ah é! Usando o feitiço contra o feiticeiro, né? — brinca Judie — Por favor, Anninha.
— Agora sim — diz a menininha entregando o pacote para sua irmã mais velha.
Judie pega apenas um cookie e devolve o restante para AJ.
— Obrigada, viu? — agradece Judie fechando um pouco os olhos e sorrindo de canto de boca, focando com um rostinho de garota travessa.
— De nada — responde AJ séria, mas em seguida, solta um riso sapeca.
Judie se vira para frente e põe novamente o cinto de segurança. Já Manuela que também está atenta ao transito, não resiste.
— Adoro a educação que você dá para sua irmã, meio louca, mas dá resultado — ironiza a mãe sorrindo.
— Não por isso! — finaliza Judie com um sorriso cheio de orgulho.
Na pista, uma enorme carreta portando carregamento de troncos, passa acelerado e buzinando pelo carro de Manuela, que reduz a velocidade.
Já no veículo de Rapha, o celular toca, e demonstrando insignificância, ele atende.
— Pode falar — Rapha pausa por alguns segundos. — Não, Angelica, estou resolvendo um assunto pendente. E não é pelo fato de você não ter interesse, que eu também não deveria ter — outra pausa, só que agora de um minuto e meio. — Angelica... Angelica... me escuta. Não lhe diz respeito se vou falar com Talmaiel ou não. Cuide da sua vida, que eu cuido da minha — o garoto desliga o celular e o joga no banco do carona.
Rapha pisa no acelerador e atinge a velocidade de 120 km/h. O Camaro corta vários carros, inclusive o automóvel da família de Judie.
— Que louco! — exclama Manuela.
Porém, Judie de sobrancelhas arqueadas, apenas observa o Camaro passar. Mal sabe a jovem que dali começará a cumprir seu destino.
A carreta que porta o carregamento de troncos, tem todos os pneus do lado direito arrebentados, isso faz com que o grande caminhão perca o controle e tombe, derrapando, e ficando na horizontal das pistas. A mercadoria de madeira também se espalha, interrompendo, por definitivo, o fluxo nos dois sentidos da ponte.
Na tentativa de frear, carros batem uns nos outros e causam um congestionado engavetamento. Revoltadas, as pessoas saem de seus automóveis reclamando.
Estando a 130 km/h, Rapha desvia o Camaro do conglomerado de veículos, mas bate de raspão na ponta traseira de uma camionete, isso é suficiente para projetá-lo pra fora da ponte, caindo na água. Pessoas se acumulam e veem o carro começar a afundar na Baía de São Francisco.
Chateada, Manuela estaciona o Nissan e comenta: — Perdemos o voo — ela pega o celular numa bolsa e faz uma ligação.
— Alô! Bom dia — diz Manuela falando inglês. — Eu gostaria de cancelar três reservas para o voo das 10h30 de hoje e transferi-las para amanhã no mesmo horário... ok! Pois não! — uma pausa rápida é feita. — Qual o destino? Solarolo/Itália.
Enquanto sua mãe fala ao telefone, Judie, com uma expressão de curiosidade, retira o cinto de segurança, ao mesmo tempo em que vai abrindo a porta do veículo para sair. A jovem caminha até a calçada de pedestre e observa o automóvel terminar de afundar na água.
Inevitavelmente, a italianinha ouve comentários de algumas pessoas dizendo que no Camaro havia um garoto ao volante. Então uma voz mista, sendo, simultânea, dum homem e duma mulher, soa dentro da mente de Judie e proclama: — “Pule. Não tenha medo. Você é capaz de mover os mares”. — A adolescente sem pensar, debruça-se no vão da ponte e mergulha de cabeça na baía, chocando a todos que ali estão.
Ainda ao celular, Manuela vê, pelo para-brisa, o que a filha faz. Automaticamente, a mulher, descrente, larga o telefone, sai do Nissan e corre angustiada até a calçada de pedestre. Desesperada, ela grita: — JUDIEEEEEEEEEE!!!!!!!!!!!!
Dentro d’água, a garota se mostra íntima do ambiente, nadando para baixo como se fosse um peixe, nos revelando não depender de oxigênio para respirar.
Judie procura o Camaro, mas não consegue avistá-lo, então se utiliza de outro dom — ela para e fecha os olhos. Flutuando levemente com o auxílio dos braços, a adolescente se concentra, e pequenas vibrações marítimas tocam o seu corpo.
Abrindo os olhos, a italianinha pensa: “Achei você.”
No céu, sobrevoando a ponte, há dois helicópteros de reportagem e dois de resgate. Os bombeiros estão se preparando para pular na baía.
Manuela está visivelmente impotente, sendo confortada pelo abraço de AJ, que chora muito. Por outro lado, as pessoas não tiram os olhos da baía, já o caminhoneiro, com um ferimento na cabeça, esclarece fatos do acidente à polícia. Porém, subitamente, o nível da água começa baixar, e surpreendendo a todos, ergue-se uma onda de aproximadamente 70 metros de altura.
— TSUNAMI!!! — gritam às pessoas que correm apavoradas — homens e mulheres, crianças e idosos, todos procuram algum tipo de abrigo, mas não existe esconderijo para tal fenômeno que se aproxima tão imponente.
Manuela não tem outra escolha a não ser correr com AJ até o carro, onde entram e ficam abaixadas no banco de trás.
— Não olhe, Anna. Feche os olhos — diz a mãe com a voz embargada.
Entretanto, em pleno ápice, a onda perde sua força e encobre, superficialmente, as pistas da Ponte Golden Gate. A água arrasta os veículos que colidem com as pessoas, machucando-as.
Muito assustada, AJ grita estridentemente: — AHHH!!! Tô com medo, mamãe!!!
— Não tenha, filha. Eu estou aqui — Manuela se expressa demonstrando força.
Segundos se passam, a água não é mais uma ameaça e a baía, aos poucos, vai retornando a sua normalidade. No entanto, a ponte está num verdadeiro caos.
Dentro do Nissan, Manuela passa para o banco da frente e sai pela porta do carona. Ela pega Anna Julia no colo e cobre o rosto da criança para que não olhe nada a sua volta. Mas a destemida mulher está esgotada e de coração partido, por ter certeza que perdera sua filha mais velha — só que um sopro de esperança acalenta o seu coração, pois um dos bombeiros lhe revela que dois adolescentes foram encontrados, com vida, às margens da baía.
Dez horas se avançam e num quarto de hospital, Judie está sem aranhões e encontra-se sentada à cama tendo um lençol tampando-lhe as pernas. Ela acaba de degustar uma sopa. Já Manuela, está sobre uma cadeira com AJ no colo. A criança lambuza-se com uma gelatina verde que veio na bandeja de refeição.
— Nunca mais se atreva a fazer uma coisa dessas, você está me ouvindo?! — a mãe briga em italiano, enquanto a AJ se levanta. —Onde já se viu?! Você só pode ter ficado louca em arriscar sua vida assim!
— Eu fiquei com muito medo — diz a pequenina subindo na cama e dando um abraço carinhoso em Judie, seguido de um beijo lambuzado de gelatina.
— Aaarrrgghhh! — grunhi a jovem limpando seu rosto com um guardanapo umedecido. — AJ, não precisa mais ter medo. Eu estou bem, tá?
As irmãs se dão um abraço apertado.
— Não desconversa, Judie! Se pra cuidar de sua carreira eu tiver surpresas como esta, então minha filha, pode esquecer seu sonho — ela faz uma breve pausa. — Ainda tem mais. Que satisfação eu iria dar pro seu pai? Já que desde o divórcio, ele quer vocês duas... ele ia me tomar Anninha.
— Não exagera, mãe... eu apenas fiz o que achava certo. Tô inteirinha, não tô? — explica a adolescente.
— Mas poderia não estar! — responde Manuela revoltada.
— Mas estou — retruca a jovem sorrindo e com um olhar seguro.
Manuela olha firme para a filha, mas não leva muito tempo para ceder aos encantos da jovem. Então a mulher se levanta da cadeira e senta-se à beira da cama, e com a voz embargada, diz: — Eu ainda não acredito que você foi capaz de fazer aquilo... eu poderia jurar que havia perdido você.
— Aah, mãe... me perdoa. Eu não queria fazê-la sofrer — desculpa-se Judie estendendo os braços, enquanto Manuela debulha-se em lágrimas num abraço com a filha.
— Eu amo você — declara a mulher apertando o rosto de Judie, que se emociona. — Eu amo vocês duas.
Tal momento é algo belo e gracioso de se ver, mãe e filhas abraçadas e sorrindo de alegria, apenas por estarem unidas.
Contudo, Judie se dispersa e se faz uma pergunta em pensamento: — “Como será que ele está? Eu gostaria de vê-lo.”
Manuela percebe Judie com o olhar ausente e questiona: — Judie? Filha, o que foi?
— Hããã??? Nada, só estava distraída.
— Querida, me explique uma coisa. O que ocorreu de baixo d’água? Quero dizer... como vocês se salvaram?
Judie age como se fosse falar alguma coisa, mas perde-se novamente em seus pensamentos, retornando para o momento em que se encontrava submersa, onde, após o mar lhe revelar o paradeiro de Rapha, ela nada através duma correnteza que a leva até o Camaro. A jovem abre a porta do carro e pega o garoto inconsciente, porém, demonstra não ter força suficiente para erguê-lo até a superfície, e a preocupação se faz em sua face. Então, a italianinha emana uma impactante pressão de seu corpo que se manifesta numa abrupta vibração.
— Mãe, se eu lhe disser que foi Deus, você acredita? — menciona Judie com uma expressão confusa.
— Claro! Acredito que só Ele pode ter feito tal milagre. Vocês dois estão intactos!
Judie esboça um singelo sorriso para Manuela, pega AJ nos braços, a coloca sentada em seu colo e se interroga em pensamento.
“Como eu fui capaz de aguentar tanto tempo debaixo d’água? Como eu provoquei aquela onda? Deus, o Senhor quer algo de mim? Que se faça, assim, a Tua vontade.”
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