Tempestade Energética
Katrineholm, Suécia, 20 de Abril de 2009.
Um total breu, porém, uma brecha de luz se faz vinda duma porta que é aberta por uma garota, CHRISTIANA NIELSEN PERSSON (CHRIS), 18 anos, pele clara, rosto de traços delicados, olhos verde-água iguais a vidro. Seu cabelo é negro, liso e ondulado, que no momento, está preso em rabo-de-cavalo.
Chris liga o interruptor, iluminando todo o local que se trata de uma velha garagem de espaço apertado, cheia de ferramentas, caixas, outras quinquilharias e, um saco de luta surrado que está pendurado no alicerce do telhado. Num relógio preso à parede, marca-se 9h em ponto. A menina veste camisa regata feminina preta, uma bermuda improvisada de uma calça de moletom cinza e chinelos pretos.
A poucos passos, Chris se aproxima duma prateleira de metal, onde há um Mini System, e ao lado estão alguns CDs: Nightwish, Metallica, Sister of Down, Sepultura, entre outros. Ela parece programar o aparelho que começa a tocar “The Kill” do grupo 30 Seconds To Mars. A garota senta-se num sofá empoeirado, para enrolar ataduras nas mãos e pés, ao terminar, se levanta, iniciando-se a socar e a chutar o saco de areia com muita ira, como se estivesse lutando contra alguém. Em seu rosto escorrem lágrimas de sofrimento, pois existem muitas feridas em seu coração.
Uma hora se passa e Chris está encharcada de suor, mas se mantém em seu ritmo inicial, exibindo muita energia física, mas ela resolve fazer uma pausa e desliga o rádio, pega uma toalhinha, seca o rosto e segue até a porta, saindo.
Ao lado de fora da garagem, o dia está claro. A jovem passa por uma curta trilha de pedras dum pequenino jardim de petúnias... uma mais linda que a outra. Chris caminha em direção a porta dos fundos de uma casa duplex pintada de amarelo claro e que tem o telhado na cor marrom escuro.
A garota entra na casa, mais específico, na cozinha. Ela abre a geladeira, pega uma garrafinha de energético e bebe um gole. Estando parada ao lado de uma televisão de 14’’, Chris não hesita em ligá-la. O canal que se encontra é de reportagem.
Falando em sueco, o repórter anuncia: — Estamos ao vivo diretamente do Museu de História Natural em Londres, para conversarmos com a arqueóloga e teóloga, Lady Laysa Parker, que com exclusividade comentará sobre o assunto do século.
Logo atrás do repórter, está Lady Parker em sua postura séria e também numa elegância discreta, tendo o cabelo num coque semi preso e maquiagem leve. Ela veste calça, sapatos e blusa social, tudo preto. Já o casaquinho, é bege claro. Em seu pulso direito há um grande bracelete dourado.
O repórter inicia a entrevista.
— Primeiramente, bom dia! — ele a cumprimenta em inglês e Lady Parker realça um educado sorriso. — Muito obrigado por nos ceder uns minutos de seu valioso tempo — agradece o repórter na língua inglesa. — Diga-nos, Dra. Parker, o que pensa significar este achado histórico? Uau! Um esqueleto de anjo.
Chris com uma curiosidade duvidosa, presta atenção no que a doutora tem a dizer.
Lady Parker responde: — Sem dúvida é um marco para qualquer forma de pensamento... conceitos terão que ser revistos... e espero que com a criação do Projeto Angelus, possamos compreender algo à mais sobre estes seres.
— Isto é realmente inacreditável para todos nós — afirma o repórter extasiado e olhando para a câmera. — Será, Dra. Parker, que estamos presenciando o fim dos tempos? Pois isto é o que as igrejas estão pregando no mundo inteiro.
— Esse esqueleto é o primeiro indício do plano celeste desde a vinda de Cristo. Respeito todas as religiões e crenças, mas acredito que ainda é um pouco cedo para alarmantes de um eventual apocalipse.
Chris terminando de beber o energético, desliga a TV e diz: — Quanta besteira — ela joga a garrafinha vazia no lixo e sai da cozinha.
No relógio adianta-se meia-hora e a visualização é de uma aconchegante sala de estar que tem móveis bonitos, paredes pintadas de marfim, janela colonial de vidros bem limpos e cortinas amarelas. Em um dos cantos, há um sofá branco contendo quatro almofadas amarelas e uma mochila preta. Na mesinha de centro, possui uma caneca vazia, mas suja de leite, ao lado dum pratinho com farelos de bolo.
Sentada numa poltrona está uma mulher negra, JOSEFIN N. PERSSON, 45 anos, rosto arredondado, cabelo curto e marcantes olhos castanhos escuros. Ela ainda está de pijama e assiste, numa televisão de 29’’, a matéria sobre o ocorrido na Ponte São Francisco.
Pela TV, vemos um helicóptero sobrevoar a ponte. Ouve-se a voz de uma repórter sueca: — Aqui já passam das 19h, e estas são imagens da Ponte Golden Gate após o fenômeno natural desta manhã — mostram-se alguns carros sendo guinchados e a remoção da carreta tombada. — Tudo começou com aquela carreta virando sobre a pista e finalizou com um imprevisível e assustador tsunami de 70 metros. Muitas pessoas se feriram e terão de passar a noite no hospital em observação, uma delas é Raphael Williams Keller, herdeiro da Keller Corporation e filho único da renomada antropóloga forense, Dra. Angelica Williams, que está chefiando o Projeto Angelus. Será que este evento cataclísmico tem algo haver com o esqueleto de anjo encontrado por Lady Parker? Voltaremos a qualquer minuto com mais informações.
Da escada, Chris desce a passos despojados. Ela está de cabelo solto e veste uma calça militar camuflada preta/branca/cinza, blusa baby look branca e botas pretas, três fivelas, que tem a frente arredondada.
A jovem vai até o sofá e pega a mochila, colocando-a nas costas por apenas uma das alças.
— Mãe, já estou indo — diz Chris direcionando-se até a mulher e lhe dando um beijo na testa.
— Você não desiste mesmo em saber quem eles são, não é? — menciona Josefin com um olhar triste.
Chris se agacha: — Mãe, eu sei que você está decepcionada, mas eu preciso saber quem são os meus pais e por que me deixaram naquele lugar.
— Eles te abandonaram lá, porque não te amavam. Já eu, não podia ter filhos, e Deus me deu você de presente.
— Sabe que me dizendo isso não vai me convencer.
Josefin abaixa a cabeça e afirma com tristeza: — É, eu sei.
— Mãe, eu sempre vou ser a sua filha, eu te amo. Mas preciso conhecer minhas origens... preciso saber quem sou.
As duas ficam por um tempinho se olhando. Então a mulher carinhosamente, diz: — Vá para sua busca... Deus lhe guiará.
Chris sorri para Josefin e se levanta, momento este que se ouve o destrancar da porta, sendo aberta por fora.
Um homem com farda da polícia entra na sala e está muito bêbado, se apoiando nos móveis. Ele é ROLF F. PERSSON, 48 anos, pele branca, cabelo grisalho e olhos azuis.
Com indiferença, a jovem passa pelo policial, que a segura firme pelo braço, jogando-a para trás.
— Não diz bom dia pro seu pai? Foi essa educação que lhe dei? — questiona o homem bambeando como vara verde.
Numa postura imponente e sem alterar a voz, Chris comunica: — Nunca mais toque em mim.
Angustiada, Josefin se põe de pé, e pelas costas da filha, coloca suas mãos sobre os ombros dela, na tentativa de contê-la.
Por sua vez, Rolf faz uma observação: — Você se acha, não é?
A jovem responde em tom de superioridade: — Não. Eu só quero sair.
— Claro que você quer. Vive na rua vagabundando sabe lá fazendo o quê, e ao invés de me respeitar, me responde com arrogância. Quem você pensa que é, vadiazinha de cemitério?
Sem pensar, Chris responde — Alguém melhor que você, seu alcoólatra imundo.
Indignado, o homem ergue a mão na intenção de esbofetear o rosto da garota.
Tensa, Josefin se coloca entre eles e grita: — Rolf, já chega! Pare com isso!
— Sai da minha frente, mulher! Essa mal criada merece uma lição — Rolf agarra nos braços de Josefin e a joga no chão. Ele retorna sua atenção para a menina — Agora somos só nós dois, cretina sem vergonha.
Chris se mantém parada e de olhar firme.
Ainda no chão, Josefin implora: — Rolf, não faça nada contra ela. É nossa filha!
— Essa maldita não é minha filha! Mas já que você a pôs aqui dentro de casa, ela vai aprender a me respeitar, nem que seja à base de pancada.
Rolf ergue a mão novamente e desferi um tapa na direção do rosto de Chris, que com destreza, neutraliza o golpe. Tenaz, a jovem empurra o padrasto para trás, que sem equilíbrio, esborracha-se no chão. Humilhado, ele saca um revolver calibre 38.
— Faça — instiga Chris largando a mochila e ficando de peito aberto.
Apavorada, Josefin começa a se por de pé e pede: — Filha, não diga bobagem! Ele está bêbado!
Sem dar ouvidos a mãe, Chris continua a provocar: — Ande! Atire se tiver coragem.
Rolf com uma expressão traiçoeira, puxa o gatilho.
— NÃÃÃÃOOO!!!!!! — esgoela-se Josefin desesperada e se pondo à frente da filha.
A mulher recebe um tiro no peito.
Impactada, Chris vê sua mãe cair desfalecendo sobre ti, só que a segura e desce com ela até o chão. Já Rolf, atônito, solta a arma.
Chorosa, Chris interroga: — Mãe, por que você entrou na frente?
Josefin sorrindo, responde em sussurro: — Porque você é minha filha querida — a mulher acaricia o rosto da jovem — Filha, quero... lhe dizer... algo.
— Mãe...
— Me escute. Vá até minhas joias... e... procure uma pulseirinha de ouro... você estava com ela... quando... te encontrei. Nela... tem o seu nome... talvez você... ache... a resposta... sobre... seus... pais.
Josefin fecha os olhos e deixa sua mão cair.
— Não!!! Mãe, abre os olhos! Fica comigo, por favor... fica comigo! — implora a garota chorando e abraçando Josefin fortemente.
De olhar distante, Rolf choraminga: — Eu... eu... não queria machucá-la.
Num impulso, Chris comenta transparecendo ódio: — Você não a machucou... — ela berra — ...A MATOU!!!
Estronda-se um trovão no céu e o homem se assusta.
Cuidadosamente, a jovem deita o corpo de Josefin no chão e a admira. Chris então se levanta e tem Rolf como foco, momento este em que cai um raio no quintal da casa, arrebentando a terra — outros dois atingem o telhado, destroçando-o.
Relâmpagos iluminam toda a região.
Com um olhar julgador, Chris se aproxima do padrasto, que expressa medo.
Sinuosamente, adentra pelo buraco do telhado, um quarto raio que contém 1012 watts, e atinge o peito de Rolf, que treme como se estivesse tendo um ataque epilético, mas logo para e fica contorcido. Por outro lado, nada acontece a Chris, que ainda está de pé... intacta, com uma frieza estampada no rosto, apenas analisando o homem morto ao chão.
Contudo, uma delicada voz feminina murmura: — Acorde!
Intrigada, a jovem olha ao seu redor e até mesmo para o corpo de sua mãe, mas não há outra pessoa na casa. Entretanto, uma discreta brisa percorre a sala, sendo acompanhada por um pó dourado que primeiro toca o braço de Chris e depois a rodopia. Ao finalizar, se desenha uma linda mão, na qual com o dorso, acaricia o seu rosto.
— Eu te encontrei! — diz a voz em sussurro.
— Essa voz...?! — Chris demonstra-se confusa, pois quem lhes fala parece familiar.
— Não se entregue a escuridão. É sob a luz de Deus que você encontrará seu caminho.
— Quem é você? — interroga a jovem em tom suave.
— Breve.
A poeira dourada desaparece junto à voz.
Desorientada, Chris se questiona: — O que está acontecendo? Como fui capaz...??? Que poder é este?
Lágrimas escorrem pelo rosto da garota, que estática, observa todo aquele terrível cenário, se tocando de que não tem mais um lar, e que também não pode mais permanecer ali, pois a polícia logo chegará. Tal fato faz Chris pegar a alça da mochila e colocá-la no ombro.
Olhando para Josefin, a jovem se ajoelha ao lado do corpo e dá um último beijo na testa da mãe.
— Obrigada, Josefin, por me amar — a menina agradece segurando o choro, mas quando recosta sua cabeça sobre a testa da mãe, desaba em prantos.
Após alguns minutos, Chris se levanta, ajeita a mochila nas costas e segue até a porta, saindo sem olhar para trás.